Loucuras da Anna

Na minha vida toda, eu nunca fui o tipo de pessoa que se apaixonava por um amigo. OK, quando eu me apaixonava, eu tornava o tal meu amigo, mas nunca, jamais, em hipótese alguma, eu virava amiga e só depois me apaixonava. Por isso mesmo, relutei contra ele.
Ele, definitivamente não era o meu "tipo". Não era esportivo, não tinha cabelo preto, não era o menino que estudava sempre e fazia todos os deveres de casa - apesar de que, com o tempo, ficou provado que você definitivamente é melhor que eu em matemática. Você era o tipo de menino com quem eu zoava minha amigas. Sabe aquele amigo mongoloidão, que tá sempre ali pra te ajudar a zoar? Pois é. Esse era você. Na verdade, no início, você era amigo da minha melhor amiga, porque o seu melhor amigo era apaixonado com ela. Que confusão, não, amor?
Você sempre tinha sido da minha sala, mas era bem a espécie de pessoa que eu desprezava: vivia sem fazer atividades, e com certeza, em todos aqueles outros anos que estudamos juntos, eu nunca olhara pra você mais que duas vezes. Apesar disso, de certo modo, você sempre estava por perto. Era o rosto que estava na platéia naquele meu teatro malfeito no sexto ano. Era a única pessoa que lembro nunca ter me dedurado para a professora enquanto eu lia o livro escondida por baixo das atividades... Mas, quando nós realmente nos aproximamos e eu passei a ter mais amigos homens sem tendências homossexuais, vi como era legal. E, talvez por isso, tenha relutado tanto em querer admitir que estava irrevogavelmente apaixonada. Por um dos meus melhores amigos.
E foi bem fácil de me dar conta disso, sabe. Foi numa aula chata de matemática, numa sexta-feira comum. Você enxotou minha colega que dividia carteira comigo, e se sentou lá, bem ao meu lado. Eu não estava afim de prestar atenção àquela explicação chata que tinha algo haver com potências e raízes, e me virei pra trás pra bater papo, enquanto você continuava lá, imóvel prestando atenção àquilo.
E, quando a professora passou distribuindo a folhinha repleta de atividades sobre a nova matéria, me lançou um olhar assasino. Ela sabia que eu não resolveria nada. Mas aí, você me olhou, o olhar saturado de pena, se inclinou sobre mim e me explicou aquilo. Sua proximidade já era tão costumeira que eu sequer notei.
E, por já estar tão acostumada, deitei a cabeça no seu ombro e me queixei - quanto à matéria:
"Só queria que algo fizesse sentido, pra variar"
E, depois de um longo silêncio, você respondeu "Eu também" apesar de você ser inteligente. Ser bom em matemática. Ter uma medalha da OBMEP.
E, de maneira inusitada, eu sabia. Eu estava ligada, inteira e solidamente ligada a você.
Eu me apaixonei pelo meu amigo.